Era uma vez um anãozinho que passeava descontraído pelos bosques profundos do seu país. Ía encontrar-se com o seu amigo J junto à clareira do lado norte. O dia estava magnífico e a vida era bela. Ele era um anãozinho feliz e sempre disposto a conhecer tudo o que de belo a natureza lhe oferecia. Olhava deslumbrado para as altas árvores com os seus troncos compridos e com as folhas lá no cimo que se estendiam pelos ramos lânguidos. O sol é claro que brincava sempre com elas dourando-as e tentando insinuar-se até ao profundo da floresta. E conseguia. Aquela luz diáfana emprestava ao ar, um silêncio sereno e tranquilo. Ele adorava dias assim. Os seus passos eram tão leves que nem faziam barulho naquele solo tão repleto de folhas, gravetos, ervas e flores silvestres. Estava mesmo feliz naquele dia em particular e o seu coraçãozito tão cheio de alegria fez com que ele desse uns passos dançantes e fizesse uns rodopios tão engraçados, que quem o visse, com certeza não conseguiria tirar os olhos dele. Aproximava-se da clareira de que tanto gostava e já antecipava o prazer que teria em ver o amigo que prometera estar à sua espera neste dia. Foram longos os meses que esteve longe desse amigo tão querido, mas tinha sempre havido maneira de comunicarem e saberem notícias um do outro. Mas a alegria de o voltar a ver era imensa. Lembrou-se que ele tinha dito que durante aquele Inverno tinha tido uns problemas com uns lenhadores que lhe invadiram a sua floresta e arrancaram muitas árvores desnudando e humilhando as suas queridas árvores. Tivera que se mudar mas o seu coração chorava a perda daquelas amigas tão antigas e queridas. Fora difícil procurarem outra floresta, e atravessar cidades, vilas, campos, tão cheios de gente, com tantos muros de pedra que construíam para se abrigarem. Tinha sido assustador. Tudo isto ele sabia porque J lhe escrevera a contar as suas angústias e tragédias. Mas estar ali com ele iria ser maravilhoso.
Ainda bem que a sua floresta ficava longe de todos os olhares humanos que só pensavam em destruir e construir estradas ladeadas de ferro. J contara-lhe, e ele nem sabia imaginar como seria. Nem curiosidade tinha em ver isso, tão monstruoso deveria ser.
Começou a aproximar-se do lugar desejado quando ouviu algo que era belo mas que não pertencia ali habitualmente. Parou e escutou atentamente. O que seria? Alguém contava uma história numa voz melodiosa. Feiticeiras? Fadas? Não…Ali elas não apareciam e cada uma vivia nas suas terras, assim como aquelas eram dele e dos seus pais e irmãos e irmãs e tios e primos e …estava mesmo na beirinha da clareira e olhou com precaução escondendo-se bem atrás de um tronco. O que viu paralisou-o…Pessoas! Não podia ser. Ninguém nunca ali fora antes porque aquela floresta não era conhecida de ninguém…Mas estavam ali duas pessoas. Uma de cabelos compridos e outra de cabelo curtinho e pareciam estar ali como se estivessem na sua casa. A linguagem deles era-lhe familiar e ouviu com atenção. O tempo passava e eles não se iam embora. Algum tempo depois adormeceram nos braços um do outro sem terem qualquer receio de nada. Confiantes. Subitamente o anãozinho deu um salto de susto e quase ia caindo. J estava ali ao lado dele. Também tinha ouvido e visto as pessoas e escondera-se. Reparara que o amigo chegara e aproximara-se devagarinho sem que ele notasse pois estava muito compenetrado naquela visão.
-Que susto J!
- Olá L!
Falaram baixinho para não serem ouvidos e abraçaram-se longamente matando as saudades imensas que sentiam um do outro.
-Como é que eles vieram aqui parar L?
-Não imagino. Achas que podem vir destruir a floresta?
-Claro que não! Devem ser apenas caminhantes que se encontraram e que estão a descansar.
-Mas ouviste a história?
-Sim, claro, e por isso imagino que também sejam sonhadores e que por isso foi fácil encontrarem esta floresta.
-Quero que se vão embora depressa. Não fico tranquilo se não se forem embora, e espero que nunca mais voltem.
-Olha se sabem deste lugar vão voltar sempre que puderem. Ouviste as vozes deles? Também falam suavemente e carinhosamente o que indica que não vão deixar de sonhar tão depressa….
-Vamos fazer barulho para acordarem, assustarem-se, e irem embora…
-Não sei se é boa ideia L.
-Claro que é. Anda!
L era um anãozinho muito decidido e chegou-se perto daqueles seres que estavam tão quietos a dormir e resolveu bater palmas! Nada aconteceu nem nenhum deles se mexeu. Pulou em cima dos gravetos e nada…
Chegou-se ao pé deles e começou a dar-lhe beliscões. Nada…
Estava a ficar cansado quando a jovem de cabelos compridos acordou e beijando o amigo lhe disse:
-Amo-te…
Ele acordou e sorriu-lhe.
O anãozinho estava admirado: Amo-te devia ser uma palavra muito poderosa pois ela assim que a tinha dito ele acordara e feliz a chegara mais para ele.
Claro que ele só tivera tempo de correr depressa para trás do tronco onde se encontrava o J.
-Mas que tonto - disse este - porque é que fugiste? Eles nem te vêem.
-Eu sei. Foi instantâneo.
-Olha estão a ir embora. Vamos segui-los?
-Vamos…
E lá foram os dois anõezinhos no encalço dos dois que se tinham perdido por ali.
Saíram da floresta e desapareceram. O anãozinho nunca saía daquela floresta nem queria saber da vida de ninguém que não morasse ali.
- Espero que não voltem…
E voltaram os dois descansados para a clareira onde se tinham passado estas novidades.
-L, olha o que deixaram por aqui…
-Um livro! Que diz?
-É sobre a história que ela estava a ler.
-Então isto quer dizer que voltam….E se já cá chegaram uma vez sabem vir novamente….Olha anda para minha casa. Vai escurecer daqui a nada e depois lemos essa história.
E assim os dois foram falando no caminho para casa.
No dia seguinte, quando a aurora surgiu o anãozinho L saltou da cama e foi a correr ter com os irmãos gritando: Amo-te amo-te amo-te.
-Pára de gritar L. E o que é que estás para aí a dizer?
-AMO-TE! Uma palavra nova! Uma palavra poderosa! Não sorriem e estão todos mal humorados porquê?
-Estás a fazer imenso barulho L!
-Mas o J também ouviu a palavra e sabe que faz sorrir e não aborrecer…Quero fazer-vos sorrir!
-E fazes mas sem andares a dizeres coisas que nem tu compreendes…
-Mas eu sei que é bonita e gostei de a ouvir dizer meigamente. Atingiu-me mesmo em cheio aqui no peito.
-Ah…então é uma palavra mágica?
-Não! Aqui não há magias, apenas coração!
-Bom hoje estás poeta. Ontem falaste tanto daqueles dois mas não falaste dessa palavra.
-Porque me esqueci… e sonhei-a …e quando acordei sorri ao lembrar-me dela!
-Boa! E agora vais passar o dia a dizê-la?
-Não….só quando me apetecer…quando me sentir bem…
-Mas tu sentes-te sempre bem L.
-Então é claro que vou…
-Mas e se a gastas?
-Achas mesmo? - perguntou ele apreensivamente.
-Sim, algum tempo depois pode deixar de ter interesse como daquela vez que comeste tantos morangos deliciosos que até ficaste mal disposto.
-Mas…como pode cansar fazer sorrir? Não acredito.
E L saiu com J para irem dar um passeio.
-Vamos para a clareira?
-Mas ainda é cedo…
-Não faz mal, quero vê-los outra vez…
Quando chegaram e a clareira estava silenciosa e vazia L ficou um pouco decepcionado.
-Oh…não estão aqui.
-Pensei que tinhas dito que não os querias aqui novamente.
-Isso foi ontem. Hoje gostava de os ver. Parecem fazer parte deste lugar. Como se sempre tivessem aqui vivido e agora que não estão se sente a ausência deles. Percebes J?
-Percebo porque sinto o mesmo…Tão estranho. Lembras-te do que te escrevi nas cartas, das pessoas que são infelizes nas suas paredes de pedra e que se julgam protegidas e seguras por ali estarem dentro. Ficam muito tempo sem verem os campos ou as árvores e nem olham o céu azul, nem a lua, nem ouvem o que a natureza lhes segreda. Estão completamente perdidos…
-Mas aqueles dois não. Achas que não vêm hoje?
-Acho que sim que vêm.
Mas por mais brincadeiras que tivessem inventado e o tempo tivesse passado, ninguém apareceu.
-Deixa lá L, amanhã vêm.
-Se não vierem?
-Vêm.
-Quero ouvi-la dizer AMO-TE
No dia seguinte tudo se passou do mesmo modo e a clareira continuou vazia.
Passou-se uma semana e o anãozinho começou a perder a sua habitual alegria.
-L, tu estás triste?
-Não.
-Mas pareces. Nunca mais brincaste alegremente.
-Não me apetece.
-O J qualquer dia vai embora ter com a família dele, é por isso que estás triste?
-Não, ele disse-me que vai ficar bastante tempo e eu estou feliz por isso.
-L não fiques triste, eles voltarão.- Sossegou-o J.
-Vamos até lá? - Perguntou ele ansiosamente.
-Vamos mas acho que devias esquecê-los.
L não conseguia esquecer a palavra que ouvira tão docemente pronunciar, nem o carinho com que tinha sido acolhida. Queria sempre voltar a vê-los e… ouvi-la.
Quando chegaram o coraçãozinho de L deu um pulo como da primeira vez que os vira ali, mas agora, era de alegria.
Estavam ali mesmo! Tinham voltado!
Estavam em silêncio, sentados junto a uma pedra rochosa e olhavam para os raios de sol que dançavam na clareira.
Tal como esses raios, eles irradiavam a serenidade própria da felicidade. L ficou a olhar extasiado. Quando é que ela ía dizer AMO-TE?
Esperava essa melodia doce mas ela não o disse. Foi ele que afundou a face nos cabelos dela e meigamente lhe disse:
-Amo-te - e ela sorriu-lhe…
O anãozinho sentiu o coração dilatar-se! Ela sorriu tão feliz que os seus olhos diziam tudo o que o seu coração preenchia.
Ele dissera-o. Hoje fora ele, e a palavra era poderosa para ela também.
Não podia recear quem inventara uma palavra assim, e, ao oferecê-la, o outro a quem se destinava sorria com o brilho das estrelas no olhar e o sol a espelhar-se na face. Sentia-se que o coração aquecia e que tudo se tornava belo e bom. Era contagiante!
L só lhe apetecia pular e ir ter com eles a cantar AMO-TE AMO-TE AMO-TE!
-Quero convidá-los a ir a minha casa.
-Não sejas pateta L. Como poderiam?
- Não sei, mas apetecia tanto!
-Olha, vão-se embora.
-Venham amanhã. Venham amanhã!
Nesse dia foi difícil a L ir para a cama. Ficou cá fora a olhar para as estrelas e a sentir um bem-estar e uma angústia ao mesmo tempo. Nunca sentira nada assim. Seria que ía morrer por pensar tanto neles?
Mas não se sentia morrer. Queria vê-los sempre. Todos os dias.
E esse desejo parece que foi ouvido pois todos os dias aqueles dois surgiam e partiam. Foi assim durante muito tempo. J foi embora e o Inverno chegou. Começava a chover e a floresta ficava mais triste. Mas o anãozinho continuou a ir à clareira e onde eles viveram tempos felizes ele sentava-se e, lembrava os risos, as palavras, o afecto que se desprendia deles.
Um dia viu-a. A ela. Só ela. Alguma coisa se quebrara. Onde é que estava ele? Sozinha ela não era a mesma. O seu rosto transparecia dor e os seus passos eram mais lentos. Onde estava a leveza e a alegria? Onde estava ele que a fazia feliz? E sem ele, ela não ouvia a palavra que a fazia sorrir.
Ela sentara-se, e ele espreitando-a de perto e sustendo a respiração, viu que ela não chorava, mas o que lhe ia na alma, era uma profunda dor da ausência. A cabeça estava cabisbaixa e o sol que adormecera nestes meses não vinha brincar nas folhas para a distrair. Onde estava ele? O anãozinho não imaginava o que teria acontecido para ele a deixar sozinha.
Mas ela estava tão só, tão abandonada.
Se ele lhe dissesse AMO-TE, será que ela iria sorrir? A tristeza desapareceria? Pelo menos até ele voltar a estar com ela outra vez?
E se experimentasse?
A vontade era imensa. Queria dar-lhe um bocadinho de felicidade.
A medo deu um passo pequenino. Depois outro. Aproximou-se, e viu, que ela o olhava mas não o via…Parecia sonhar. Sofria tanto que ele se comoveu e chegando-se ao pé dela saltou para a rocha e aí sentando-se perto dos cabelos que cheiravam a flores disse-lhe baixinho AMO-TE
Repetiu… Amo-te.
Ela mexeu-se e ele viu lágrimas a deslizarem pela face, e de repente ela chorava convulsivamente baixinho.
-Mas…eu disse AMO-TE e ela sorria dantes. Agora porque é que chora? Porque não fica feliz?
Será que só ele é que tem esse poder para ela, e ela para ele?…
-Oh... que vou fazer?
E como o anãozinho tinha o coração maior que o mundo pensou no que poderia fazer para que ela ficasse luminosa outra vez, e, desejava tanto ver o sorriso, sobretudo o sorriso dela! Iria buscá-lo a ele, mas…não era assim…ele teria que vir porque o desejava e não porque ele queria.
Tinha que inverter o choro em sorriso. Tinha agora uma missão: fazê-la feliz.
Empenhou-se nos dias seguintes em pensar como.
Ela agora vinha todos os dias mas nunca sorria, e ele via como lhe doía a ausência dele.
Mas L não desistira de fazer mil e uma coisas para a fazer sorrir.
Um dia pensou que a tristeza também se contagiava como aquela palavra feliz e que era perigoso estar tão triste. Ele próprio já se sentia desanimado.
-Mas não posso desanimar. Ela será feliz outra vez.
Um dia subiu a uma árvore e atirava folhinhas cá para baixo que iam aterrar aos pés dela e no colo. Ela olhou para cima e ele agitou-se pensando que ela o vira eo que fez com que o ramo da árvore oscilasse. E nesse movimento ele gritara AMO-TE.
Ela olhou atenta, alguma coisa lhe despertou a curiosidade e o seu olhar perscrutou por entre os ramos. Depois levantou-se e continuou a olhar atentamente. Tinha conseguido captar-lhe a atenção!
L estava feliz e gritava AMO-TE AMO-TE!
Ela ficou pensativa e começou a olhar para as coisas que a rodeavam. Inclinou-se e apanhou uma ervita. E virou-se para a árvore e ouviu nitidamente AMO-TE. Sorriu. L não cabia em si de contente! Ela ouvira. E sorrira. Agora ouviria sempre, ele sabia que iria ser assim.
Nesse fim de tarde ela deixou a clareira mais leve um bocadinho do que ultimamente. E finalmente a Primavera chegou, e as florinhas começaram a espreitar pela vegetação, e o sol maroto parecia dizer -Olá! Tudo era belo e ela já sorria sempre que ali chegava, e apesar do seu ar ser triste, havia uma expressão de acreditar que a vida na sua natureza a amava. Sentia isso em toda a respiração daquela floresta, em todos os poros de sensibilidade.
Esperava o dia em que ele lhe surgiria a dizer AMO-TE porque toda a floresta lho dizia e ela acreditava que ele também fazia parte daquela maravilha e os dias maravilhosos voltariam.
O anãozinho andava radiante. E um dia ela veio feliz, com ele.
Sim ela conseguira passar aquele Inverno acreditando que a Primavera chegaria, e com ela, ele também. Assim quando os dois novamente se encontravam ali naquela clareira o sorriso dos dois e o abraço que os unia era um acreditar que AMO-TE existe e faz nascer o que de mais belo existe em toda a natureza.
O anãozinho viveu muitos e muitos anos e nunca se esqueceu daqueles dois, a quem ouvira uma palvra quente e sonhadora que curava, e fazia tão bem. Ele próprio a usou muitas vezes com a sua namorada com quem depois casou e com quem teve muitos filhotes. Nunca gastou a palavra e utilizava-a imenso sempre que podia porque queria ver sempre um sorriso.
Os dois que se amavam naquela clareira seguiram um destino semelhante ao do anãozinho e também eles não gastaram a palavra que sempre parecia que era inventada e que todos os dias revigorava. A natureza foi sempre o lugar predilecto de todos eles e muitas vezes as duas famílias encontravam-se e divertiam-se. Ela contava muitas histórias aos seus filhos de como um Inverno em que o sofrimento a atingira no peito fora curado e lhe dera força por aqueles seres maravilhosos que vivem connosco desde sempre e que nos querem tanto bem.
E o livro esquecido?
Encontram-no num baúzinho pequenino, encostado aos pés da cama do anãozinho.
by Isabel Alberto (isabelmar)