Friday, October 4, 2013

O Gago

A..aaa..aa....
(Fala logo!)
Está... está... na hora...


Gaguejava, o imbecil. Manda-a para a cama! Faz o que quiseres com ela! Mostra-lhe quem manda!
Não queria. Recusava-se. Era gago. Ser gago é ter medo. Ter medo é ser imbecil. És um imbecil.

É... é ta...é tarde...

Gaguejava, o imbecil! É TARDE! Grita-lhe! GRITA! Não te sentes melhor?

Aaa...

Nem tentes! Imbecil, é tarde! A estas horas não se fala! A estas horas não se gagueja. A estas horas não se escreve. A esta hora dorme-se. Mas ninguém aqui sabe mandar. Ninguém manda o gago para a cama. O gago não manda a miúda para a cama. Ninguém vai para a cama: todos têm medo. Têm medo do sono, os imbecis.

Quero atenção.

O gago não vê nada, limita-se a perder-se nas suas patéticas sílabas. A miúda é miúda, não sabe nada. Quer atenção.
Querem atenção.

O gago grita: Vai dormir!
Mentira. Não grita, é gago. O imbecil.
O gago grita: Eu é que mando em ti! Faz o que eu te digo!
Mentira. Não grita, é gago. O imbecil.

A miúda faz birra. Chora, grita, esperneia. Sem problemas: não é gaga, somente imbecil.

E agora? Quem vai pôr ordem na casa? O gago é gago. Ninguém é capaz de calar a miúda. Alguém cale a miúda!

Está na hora. A miúda é imbecil, mas tem sono. Adormece, sem atenção.
Está na hora. O gago adormece, sonhando com sílabas soltas e repetidas. Até na ficção é gago. O imbecil.

Thursday, October 3, 2013

Hoje li o teu olhar.


 Olá, José.

Hoje li-te. As tuas palavras desenharam o punhal que escondes. Vi-o: o punhal que será o nosso fim. Não o queria ver. Não o queria ler. A tua arma lírica encostada ao meu peito...
As tuas palavras cansam-me. Enlouquecem-me. Pára. Sai desse quarto fechado, não escrevas mais. Isto tudo, para quê? Pensas... Quis dizer-te boa tarde, mas cheguei tarde. Os curtos dias de outono não me deixam olhar-te. Olho-te sem te ver. Vejo as tuas palavras e choro. Hoje li-te. Chorei.
Inundas-me com as tuas palavras; afundo-me na sombra: A sombra da tua solidão... (És o reflexo do vazio.) Deixo as tuas palavras recheadas de dor perfurarem-me. Abandonas-me no chão gelado a sangrar frases mal ditas... Olhas-me com páginas em branco. Num suspiro, que esqueces de escrever, saltas. O teu vazio balonça por baixo dessa árvore rodeada de sol.
Hoje li-te. As tuas páginas mataram-nos: arrastaram-nos para o vazio: as tuas páginas uniram o nosso olhar... Um olhar que nunca existiu.

  Adeus, José.